Em entrevista à Agência Senado, o senador Flávio Arns falou sobre a importância do cumprimento das leis que garantem a acessibilidade das pessoas com deficiência no Brasil. Confira!

 

A acessibilidade é um direito constitucional?

Sim. O direito à acessibilidade está previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que foi incorporada no ordenamento jurídico brasileiro com equivalência de Emenda Constitucional. O artigo 9º da Convenção trata especificamente deste direito fundamental e estabelece como objetivo da acessibilidade possibilitar que as PcDs vivam de forma independente e participem plenamente da vida em sociedade. Vale destacar que a Convenção foi regulamentada pela Lei Brasileira de Inclusão – LBI (Lei Nº 13.146/2015), que prevê a acessibilidade atitudinal, ou seja, uma tomada de consciência quanto à autonomia e capacidade da pessoa com deficiência, vencendo estereótipos.



A legislação atual é suficiente para garantir a acessibilidade de todas as pessoas com deficiência no Brasil?

Sempre digo que o grande desafio na área da pessoa com deficiência é fazer com que as leis sejam cumpridas. O desconhecimento acerca do direito à acessibilidade ainda promove atitudes de capacitismo, em prejuízo de uma inclusão efetiva dessas pessoas na sociedade. A acessibilidade é prevista na legislação como uma ‘rampa’ para acesso a outros direitos. Precisamos garantir que saiam do papel e se tornem realidade, melhorando a vida das pessoas.

 

O Senado Federal tem dado a devida atenção à temática da acessibilidade?

Mesmo antes da Convenção ser aprovada, o Senado já dava importância à temática, por meio da realização da Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência. Um exemplo que sempre cito em relação ao Senado é a construção de uma rampa de acesso à mesa do Plenário, que agora permite que cadeirantes utilizem o espaço, como é o caso da senadora Mara Gabrilli. Ao mesmo tempo, tenho destacado a necessidade urgente de regulamentação da avaliação biopsicossocial. Já promovemos diversos debates sobre este tema e temos grande expectativa de que o governo federal regulamente este instrumento para evitarmos situações em que a pessoa com deficiência não é considerada como tal, por conta de uma avaliação que se limita à identificação visual da sua condição, desconsiderando deficiências ocultas.

 

Quais são os principais desafios para garantir que os direitos das pessoas com deficiência sejam respeitados no dia a dia?

Esse é, de fato, nosso grande desafio. Fazer com que todos cumpram a lei, transformem direitos em realidade. O papel do Legislativo e da sociedade neste ponto é fundamental, pois temos como premissa a fiscalização das ações do poder público, em todas as instâncias. No Senado, temos promovido a avaliação das políticas públicas em nível nacional e cobrado, permanentemente, que sejam efetivadas. Essa mobilização deve ser permanente, pois somente com a sociedade organizada e consciente de seus direitos é que podemos conquistar avanços. Devemos ter em conta que o artigo 23, II da Constituição Federal determina a proteção das pessoas com deficiência como sendo de competência comum entre União, Estados e Municípios. Assim, a implementação das leis de acessibilidade, de âmbito federal, devem ser observadas por Estados e Municípios mas, sobretudo nestes, as realidades locais ainda obstaculizam a efetivação de direitos. Como exemplo de desafio a ser superado, é preciso atentar para que o plano diretor das cidades atenda à real necessidade dos cidadãos, sendo exemplo disso a construção e manutenção de calçadas lisas e antiderrapantes para atendimento à acessibilidade de todos os cidadãos.

 

Qual a sua opinião sobre a criação de um fundo nacional para financiar projetos de acessibilidade?

Sempre defendi que lugar de criança, pessoas idosas e com deficiência é no orçamento. Em relação aos dois primeiros segmentos, a legislação avançou quanto à criação de Fundos de Proteção, inclusive com previsão de doação com dedução fiscal. No campo da pessoa com deficiência, como a acessibilidade pode ser considerada como uma ‘rampa’ para acesso aos demais direitos, penso que a proposta é meritória, mas é preciso considerar que o termo acessibilidade também engloba outros públicos, como pessoas com mobilidade reduzida.

 

O Sistema Único de Saúde (SUS) está preparado para atender as necessidades específicas desse público?

Na Atenção Básica do SUS, houve avanços no acompanhamento do desenvolvimento infantil, com a instituição das ações previstas na Caderneta de Saúde da Criança. Destaco itens da caderneta como o desenvolvimento por faixa etária, a identificação das alterações no desenvolvimento (sinais de alerta, crianças com deficiência, Transtorno do Espectro Autista – TEA, Síndrome de Down) e as alterações na visão e na audição. O maior desafio é dispor de profissionais de saúde, especialmente pediatras, para implementar o que está estabelecido na caderneta. O atendimento integral e multiprofissional contribui para a recuperação, adesão aos tratamentos, participação e preparação da família para continuar os cuidados em casa e amplia a inclusão social. A rede de atenção especializada do SUS dispõe de Centros Especializados de Reabilitação (CER). No Brasil, existem 102 centros e mais 20 estão em fase de implantação. Além disso, o Ministério da Saúde realiza contratos com organizações sociais, Apaes e coirmãs, para os serviços de reabilitação intelectual e TEA. O país precisa de mais serviços nesta modalidade para atender a demanda da atenção especializada.

 

Quais medidas o senhor propõe para melhorar o atendimento às pessoas com deficiência no SUS?

Como proposta, nosso mandato tem mantido diálogo com o Ministério da Saúde defendendo as seguintes ações:

  • Ampliar os credenciamentos para entidades e os procedimentos realizados nos CER e assim atender pessoas com deficiência intelectual e autismo.
  • Estabelecer mecanismos e financiamento federal para instituir o CER Básico – Centro Especializado em Reabilitação Básica, com abrangência municipal e contra referência para o CER II, III, IV, com serviço oferecido pelos municípios ou por entidades do terceiro setor especializadas na área e próximo das famílias.
  • Propiciar a inclusão da cirurgia fetal de correção da mielomeningocele no SUS e todas as etapas de reabilitação da criança.
  • Acelerar a implementação das 5 etapas previstas na legislação para ampliação das doenças rastreadas pelo Teste do Pezinho oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
  • Reavaliar as tecnologias de reabilitação e promover a inclusão destas tecnologias na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIGTAP).

 

Qual a importância do acesso das pessoas com deficiência às tecnologias digitais?

As tecnologias assistivas são fundamentais no processo de inclusão. As escolas precisam estar preparadas em todos os aspectos, seja pela acessibilidade física, por meio das ferramentas digitais e, principalmente, com profissionais capacitados para que as necessidades de cada estudante sejam plenamente atendidas. Este debate tem sido aprofundado ao longo dos anos e estamos em um momento de grande expectativa, inclusive, sobre as discussões em torno do Parecer Nº 50, do Conselho Nacional de Educação, que traz orientações sobre o atendimento educacional aos estudantes com TEA. Precisamos construir consensos para que possamos avançar, sempre na perspectiva de que precisamos contar com alternativas para que todos tenham acesso à educação de acordo com suas necessidades.

 

As cidades brasileiras estão preparadas para atender às necessidades de mobilidade das pessoas com deficiência?

Para que uma lei seja efetivamente cumprida, é preciso que todas as pessoas dela destinatárias estejam sendo beneficiadas. Infelizmente, a maioria das cidades ainda descumpre a legislação. Frequentemente, vemos casos de direitos sendo negligenciados nesta área, citando como exemplo o transporte coletivo. Sob meu ponto de vista, todos os ônibus deveriam ser acessíveis, notadamente com plataformas de embarque e desembarque. Considero que os gestores precisam assumir esta área como prioridade e agir concretamente. E também penso que seria importante enfatizar a observância à acessibilidade na nova lei de licitações, sobretudo na aquisição de ônibus escolares, para atendimento aos estudantes com deficiência motora, seja na zona urbana ou rural.

 

Quais medidas podem ser adotadas para estimular a produção e a distribuição de materiais em Braille?

Infelizmente, esse é um campo que ainda precisa ser desbravado, aqui exemplificando a produção de conhecimento que ocorre na academia, em programas de mestrado e doutorado em instituições públicas e privadas. Como agora o conhecimento ultrapassa a fronteira presencial, com defesas sustentadas por videoconferência, ainda é escasso o uso de intérprete de libras ou uso de legenda, em prejuízo da participação de surdos. Prosseguindo no exemplo, os resultados das pesquisas publicados ainda são disponibilizados apenas no formato físico, não acessível aos cegos. Para estimular essa produção acessível, penso que o aspecto poderia ser incluído nos programas de avaliação institucionais. Também considero que medidas que venham a ser adotadas para a acessibilidade de cegos não considere apenas o Braille, pois nem todos os cegos dele se valem, optando por ledores ou recursos sonoros. Neste campo, também é preciso considerar pessoas com baixa visão, que não precisam destes recursos, mas sim de leitor e ampliador de telas, impressos com fonte ampliada, além de recursos de alto contraste, de produção e distribuição mais eficiente.

 

As empresas brasileiras estão preparadas para receber e incluir pessoas com deficiência em seus quadros de funcionários?

A legislação nesse campo já é bem anterior à Convenção e Lei Brasileira de Inclusão. Conhecida como Lei de Cotas, a Lei 8.212/91 trouxe um artigo, 93, prevendo reserva de vagas para empregados com deficiência, em empresas que contratam a partir de cem funcionários, numa escala que varia de 2% a 5%. Como o desempenho de algumas atividades demanda escolaridade, qualificação, aptidão e também obriga a acessibilidade para que o empregado exerça o direito ao trabalho, ainda temos uma dificuldade no preenchimento de vagas, por ausência desses fatores. Em função disso, a análise econômica do direito conduz muitos empregadores a optar por arcar com multas do que efetivamente buscar a contratação. Como medida efetiva para promover a inclusão no mercado de trabalho, apresentei Projeto de Lei 357/2020, prevendo apoio às pessoas com deficiência no ambiente de trabalho, por meio de um apoiador laboral durante o processo de adaptação ao trabalho, contribuindo para a autonomia na realização das tarefas exigidas.

 

Qual a importância de mobilizar a sociedade e o poder público em torno da causa das PcDs?

Esta mobilização é fundamental, pois quanto mais nos conscientizarmos sobre os direitos e desafios, avançaremos na direção de um país que respeite e dê oportunidades a todos. No Senado, temos promovido uma série de iniciativas a favor desta causa, seja por meio de proposições legislativas ou pela realização de debates, discussões e atitudes concretas que colocam a acessibilidade como prioridade nesta Casa, servindo de exemplo para as demais instituições do país.

 

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