Interligadas e dependes, a saúde humana, animal e ambiental precisam ser pensadas juntas para evitar o aumento recorrente de desequilíbrios e doenças. Nessa direção, a Comissão de Educação promoveu nesta sexta-feira (24) audiência pública para debater a criação do Dia Nacional da Saúde Única, a ser celebrado em 3 de novembro. A data, proposta no PL 1.837/2021, do senador Flávio Arns (Podemos-PR), foi reconhecida como de extrema importância pelos debatedores.
Presidindo a audiência, o senador Paulo Paim (PT-RS) disse que o termo em inglês one health vem assumindo, cada vez mais, maior importância dentro das discussões científicas que tratam de questões ligadas à saúde e à epidemiologia.
— O conceito de saúde única, que ainda é bastante desconhecido fora do meio científico, cuida da incorporação, em uma abordagem única e integrada, da saúde humana, animal, vegetal e ambiental, reconhecendo suas profundas interconexões e dependências umas das outras.
Paim alertou para o fato de cientistas ligados a várias especialidades constatarem similaridade nos processos infecciosos causados por doenças em seres humanos e animais.
— No entanto, infelizmente, a medicina humana, a medicina veterinária, além de outros ramos científicos importantes, como agronomia, botânica e zoologia, seguiram trajetórias independentes e bastante apartadas umas das outras, sem qualquer comunicação epistemológica relevante entre elas. Somente nos últimos anos é que se observou um esforço de aproximação e diálogo nos estudos entre essas áreas — afirmou.
Doenças zoonóticas
As doenças zoonóticas (causada por patógenos que se originaram de animais) representam aproximadamente 75% das doenças emergentes em humanos. Atualmente, dois terços das doenças infecciosas existentes são consideradas zoonoses. Essas doenças afetam um bilhão de doentes e causam milhões de óbitos por ano em todo o mundo, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
“A vida selvagem é apontada como um importante pool zoonótico de novos patógenos”, segundo Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde.
— As zoonoses originadas da vida selvagem têm sido a ameaça mais global de todas as doenças infecciosas emergentes — afirmou Júnior.
O representante do Ministério da Saúde lembrou que várias doenças zoonóticas causaram numerosas mortes, como a gripe espanhola, em 1918/1919; a influenza em aves (SARS), em 2003; H1N1 em 2009; suínos (MERS), em 2012 e a própria Covid-19, que tem como principal hipótese a ser esclarecida o envolvimento de morcegos e pangolins. Em todo o mundo, 6,33 milhões de pessoas morreram em decorrência do coronavírus desde 2019.
— O Ministério da Saúde formou em 2019 Grupo Técnico de Saúde Pública que tem como objetivo estruturar e consolidar oficialmente a abordagem de saúde única no contexto da vigilância epidemiológica das doenças infecciosas zoonóticas e agravos de relevância para a saúde pública causados por animais.
Entre os principais desafios, está a institucionalização da abordagem da saúde única, com reconhecimento de cada setor sobre a importância e prática da saúde nas diversas áreas, integrando profissionais e outros órgãos, segundo Júnior.
Fatores
Aumento gradativo da população, maior longevidade da espécie humana, saneamento básico insuficiente, convívio com animais domésticos e selvagens, mudanças climáticas, desmatamentos e queimadas, perda de habitat, fome, situações de guerra, grande produção de lixo, contaminação dos oceanos são alguns dos problemas que acentuam a ocorrência de doenças, de acordo com os debatedores.
— Obviamente, a gente não pode se esquecer de falar das contaminações e da resistência antimicrobiana. A resistência antimicrobiana é uma área em que a gente tem que atuar muito ativamente. O excesso de uso de antibióticos e biocidas na agricultura e na pecuária, com impacto em polinização e contaminação em geral, tem que ser visto de uma maneira muito séria, com o desenvolvimento de políticas públicas que possam diminuir o uso de biocidas para evitar qualquer tipo de evolução de resistência — ponderou o vice-presidente de Pesquisas e Coleções Biológicas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rodrigo Correa de Oliveira.
Conselheira do Conselho Federal de Medicina, Tatiana Bragança de Azevedo Della Giustina destacou que cinco doenças novas surgem no homem por ano, sendo três de origem animal, incluindo epidemias e pandemias.
— Nós, aqui, no Rio Grande do Sul, por exemplo, não tínhamos febre amarela até pouco tempo atrás, mas passamos a ter, e isso se dá, provavelmente, em relação ao desmatamento. Deve ter acontecido o aumento de certas culturas, o que mudou o hábitat dos macacos, as florestas, enfim, e isso aconteceu — disse a conselheira, que classificou como “maravilhosa” a iniciativa de uma data nacional destinada à saúde única.
Interconexão
Membro-fundadora da One Health Brasil, Christina Pettan-Brewer observou que a pandemia trouxe “a oportunidade de evoluirmos em décadas”. Ela lembrou que Hipócrates, conhecido como o pai da Medicina, já falava que o meio ambiente, os seres humanos, a água, o solo, a terra estão todos interconectados.
— Uma das importâncias é a multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade dos nossos times de profissionais. Então, é essa conexão. E não somente dos profissionais, mas a conexão direta com as comunidades. Então, envolver diretamente os líderes comunitários, trabalharmos juntos. Geralmente, como professores universitários, pesquisadores, nós temos essa ideia de chegar e já vamos direto com a pesquisa ao invés de ouvirmos primeiro as comunidades — expôs Christina.
Representante do Conselho Federal de Medicina Veterinária, Rodrigo Távora Mira também destacou o envolvimento de multiprofissionais na preocupação com a saúde única. Ao apoiar a iniciativa da data nacional, o debatedor afirmou a importância de os conselhos serem ouvidos e consultados frequentemente quando da proposição de projetos de leis relacionados ao tema.
Confira a reportagem da TV Senado aqui.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)