Em sessão especial realizada nesta sexta-feira (26), o Senado comemorou o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado anualmente em 20 de novembro, e promoveu o lançamento do Observatório Equidade no Legislativo, destinado a coletar e sistematizar informações sobre o perfil da representação étnico-racial e de gênero no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas estaduais de todo o país.
A sessão especial foi proposta por meio do Requerimento 2169/2021, apresentado pelos senadores Paulo Paim (PT-RS), Flávio Arns (Podemos-PR), Jaques Wagner (PT-BA), Marcelo Castro (MDB-PI), Rogério Carvalho (PT-SE) e Telmário Mota (Pros-RR) e pela senadora Zenaide Maia (Pros-RN).
Após a execução do Hino Nacional, a sessão foi aberta pela senadora Leila Barros (Cidadania-DF), que destacou a importância de se refletir sobre a consciência negra.
— Anualmente participamos dessas sessões. Trata-se de um dever honrar o passado de negros e negras do país e da mãe África, celebrar as conquistas duramente obtidas após batalhas épicas e refletir sobre desafios que ainda persistem nos variados campos da vida social para as minorias étnicas — afirmou ela.
Leila Barros afirmou que o feriado de 20 de novembro ainda é relativamente pouco celebrado no país, “em não mais que mil municípios no universo de 5.570 cidades brasileiras que destinam um dia no calendário anual para celebração do Dia Nacional da Consciência Negra”. Ela cobrou da Câmara dos Deputados a aprovação do PLS 482/2017, projeto de lei cuja ementa determina que o dia 20 de novembro seja declarado feriado nacional. Aprovado no Senado em agosto, o texto tramita na Câmara como PL 3.268/2021.
Observatório
A senadora explicou que a criação do Observatório Equidade no Legislativo é uma iniciativa do Grupo de Afinidade de Raça, vinculado ao Comitê Permanente de Gênero e Raça do Senado. A criação do observatório está entre os objetivos contemplados no segundo Plano de Equidade de Gênero e Raça para o biênio 2021-23.
Entre os objetivos específicos do observatório estão o de contribuir para a identificação da representação parlamentar étnico-racial e de gênero no Brasil; possibilitar a elaboração de estudos sobre a representação parlamentar étnico-racial e de gênero de servidores públicos e da sociedade civil, inclusive acadêmicos; possibilitar a identificação dos candidatos eleitos que mudaram sua autodeclaração étnico-racial entre pleitos; e consolidar a vanguarda do Senado como instituição que valoriza a igualdade étnico-racial e de gênero.
Com base na coleta e na organização de dados levantados junto a instituições oficiais, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o observatório pretende colaborar com estudos legislativos dedicados à compreensão e à superação do racismo estrutural e da desigualdade típicos da sociedade brasileira.
“País em construção”
Após o pronunciamento de Leila Barros, houve a apresentação de vídeo produzido pelo Grupo de Afinidade de Raça, o qual destacou a importância de combate ao racismo perpetuado por meio de atos e palavras.
Em seguida, a diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, ressaltou que o Brasil, embora seja um país em construção e entre na reta final dos 200 anos da Independência, a serem comemorados em 7 setembro de 2022, avançou devagar na trilha das equidades.
— Somos um país ainda em que mulheres ganham menos que homens, que negros e negras morrem mais do que brancos, que a orientação sexual de uma pessoa pode ser definitiva para que ela sobreviva ou não. Isso não é um motivo de orgulho nestes últimos 200 anos. E é por isso que o Senado Federal, dentro da sua política organizacional, busca desenvolver ações de gênero e raça, de inclusão e socioambientais — afirmou ela.
Ilana destacou que, desde 2015, esse trabalho vem sendo executado junto com o Comitê de Equidade de Gênero e Raça e, desde 2019, com o Grupo de Afinidade de Raça.
— Eu tenho muito orgulho e uma enorme alegria de poder ter catalisado e oferecido aos meus colegas do Senado Federal uma oportunidade de consolidar essas políticas. Nós não temos a intenção de fazer políticas públicas, por que essa não é a função da gestão do Senado Federal, mas temos a intenção, sim, a partir das políticas organizacionais que construímos, ser um exemplo, talvez estimular outras organizações e, talvez, conseguir colocar, a partir do trabalho que desenvolvemos, essas pautas nas políticas públicas. E eu não falo de algo impossível — ressaltou.
A diretora-geral do Senado lembrou que, em 2020, com a aprovação da nova Lei de Licitações, a cota para mulheres vítimas de violência passou a fazer parte dessa legislação.
Ilana felicitou todos os servidores do Senado que colaboraram para tornar realidade o Observatório Equidade no Legislativo.
— Nosso objetivo é trazer à luz esses dados que mostram claramente que, apesar das cotas e das iniciativas que já fizemos, não temos as equidades no Parlamento. Precisamos ter as equidades em todos os espaços da sociedade, mas os Parlamentos são espaços muito especiais, porque dentro deles são forjadas as normas que significarão o futuro do nosso país.
Ilana fez menção especial ao servidor Devair Sebastião Nunes, da Secretaria de Tecnologia da Informação do Senado (Prodasen), que elaborou material com números e dados públicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os quais “mostram claramente que, perto dos homens brancos, uma mulher negra terá muito mais dificuldades para ter uma cadeira em qualquer Parlamento”.
— Há uma cultura machista e uma cultura racista escondida nestes mais de duzentos anos do Brasil. E nós estamos imersos nessa cultura e precisamos nos esforçar para sair dela. Os dados nos ajudam para isso; ajudam para que pesquisadores das variadas universidades do Brasil possam ter acesso a eles, ajudam para que possam refletir, ajudam para que aquelas organizações, os movimentos negros e aquelas organizações dos movimentos pela equidade de gênero possam desenvolver seus trabalhos baseados em realidades. Eu preciso me congratular com todo o Senado Federal, com a Mesa Diretora do Senado Federal, que nos oferece essa oportunidade desse trabalho. e com os meus colegas, porque juntos temos feito a diferença e a nossa parte para um Brasil menos racista e menos machista.
Ações afirmativas
Nilma Lino Gomes, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que já foi ministra-chefe da Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (em 2015) e ministra das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos (entre 2015 e 2016), destacou a mobilização de diversos setores para a reeducação da sociedade e para que a legislação já existente torne-se “prática e verdadeira” por parte dos gestores e gestoras públicos e do Judiciário.
— O lançamento do Observatório da Equidade no Legislativo é um passo importantíssimo que o Senado dá, e nós tivemos vários projetos de autoria do senador [Paulo] Paim, com relatoria de colegas desta Casa, aprovados também. Esperamos que a Câmara dos Deputados dê oportunidade a esses avanços para a sociedade brasileira como um todo — afirmou.
Nilma considerou ainda que o lançamento do observatório faz parte do contexto das ações afirmativas no Brasil, o que colabora para a implantação de políticas públicas pelas autoridades de diversos setores.
— É muito importante destacar isso porque, no momento de retrocesso que temos vivido desde 2016, desde 2018, muitas vezes as pessoas ficam desesperançosas vendo uma onda de retrocesso no país. O contexto das ações afirmativas tem educado e reeducado esta nação para entender que grupos com histórico de desigualdade, exclusão e discriminação necessitam que o Estado Democrático de Direito implemente, junto com políticas universais que já conhecemos, políticas de ações afirmativas na correção dessas desigualdades. Aí, sim, teremos uma sociedade de fato mais equânime, mais democrática e teremos possibilidade de a equidade ser garantida, juntamente com a igualdade formal que nós tanto apregoamos. Precisamos que a igualdade seja concretizada na prática.
Representatividade
O servidor Devair Sebastião Nunes, que compõe o Grupo de Trabalho de Afinidade de Raça do Senado, ressaltou que o observatório tem o objetivo demonstrar, de forma sistemática, o grau de representatividade das raças e gêneros nas casas legislativas, além de fornecer informações para que as autoridades e a sociedade possam traçar planos que favoreçam a equidade nessas instituições. Ele destacou ainda que os dados do observatório já podem ser acessados pela população.
Por sua vez, a defensora pública federal Rita Oliveira parabenizou o senador Paulo Paim e o ator, diretor, dramaturgo e ex-senador Abdias Nascimento (1914-2011) pelos esforços no combate ao racismo e à discriminação.
— O espaço legislativo no Brasil sempre foi um ambiente de reprodução da ordem social e jurídica fundada, num primeiro momento, durante o período imperial, no modelo escravocrata e, a partir da primeira República, na redinamização do racismo para manter as hierarquias sociais — afirmou ela.
Rita disse que a evolução republicana e democrática no Brasil deve ser lida como um processo de construção de muitas resistências e lutas sociais.
— É preciso revisitar as trajetórias do senador Abdias e do senador Paulo Paim para conhecermos um capitulo histórico fundamental da repactuação civilizatória do país, que nos conduziu à Constituinte e à abertura democrática. Suas formas de luta tinham nuances distintas, é verdade, mas com o mesmo objetivo, e foram complementares e absolutamente necessárias para conquistas sociais negociadas na Constituinte e durante seus mandatos.
Combate ao racismo
O senador Paulo Paim agradeceu a participação dos convidados e ressaltou que “a jornada de combate ao racismo é longa e precisa de muita perseverança”.
— O Brasil pode, sim, se transformar em um país justo, e com direitos iguais para todos, onde ninguém seja, esse é o sonho, discriminado pela cor da pele, pelo cabelo, pela escolha da religião, por cantar e dançar as músicas de sua pátria mãe África, de suas origens. As nobres causas são guiadas por sentimentos de amor, fraternidade e coragem na busca da justiça que todos vocês aqui representam muito bem.
Paim também disse que “o grito de Zumbi dos Palmares deve servir de inspiração e guia na luta contra a discriminação”.
— A verdadeira história do povo negro tem que ser contada nas salas de aula, em todos os lugares, no campo e na cidade, como diz a Lei 10.639 [de 2003], e que somente 20% dos municípios adotam. Por quê? É lei; não precisa fazer mais nada; é só adotar na sala de aula. Que nossas gargantas não se ressequem jamais diante da imposição daqueles que discriminam e não aceitam a diversidade.
O senador ressaltou que a consciência negra é herança dos antepassados que vieram da África e precisa ser honrada.
— Somos construtores deste país, abrimos estradas, caminhos, atiramos sementes ao solo, levantamos paredes e edifícios mas, de forma cruel, nossa gente foi açoitada pela desumanidade dos homens insensíveis à própria humanidade. Essa verdade não pode ser escondida; precisa vir à tona, preencher as páginas dos livros, estar no convívio do povo brasileiro. A população brasileira é composta por 56,2% de negros, quase 120 milhões de pessoas. E a grande maioria, isso tem que ser dito, é pobre. A escravidão de ontem está viva no dia de hoje, na fome, na miséria, na pobreza, no desemprego, na falta de acesso à educação para nossas crianças e jovens, na saúde precária, no descaso do Estado brasileiro. A escravidão de ontem se faz presente no olhar que reprime no shopping.
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)