A necessidade ainda maior de instituir um Sistema Nacional de Educação (SNE), em razão do impacto da covid-19 sobre o ensino, foi unanimidade na sessão temática de debates desta sexta-feira (3) no Plenário virtual. Os expositores elogiaram o Senado pelo esforço para fazer avançar o SNE.
O sistema deveria ter sido criado até junho de 2016, como previsto no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005, de 2014). O Projeto de Lei Complementar 235/2019, do senador Flávio Arns (Podemos-PR), busca corrigir essa omissão. O relator é o senador Dário Berger (MDB-SC).
O SNE criaria padrões a serem seguidos pelas instituições de ensino em todos os níveis, aumentando a cooperação entre União, estados e municípios e ajudando a cumprir o previsto no artigo 206 da Constituição. Esse artigo inclui, entre os princípios segundo os quais o ensino será ministrado, a “igualdade de condições para acesso e permanência na escola” e a “garantia de padrão de qualidade”.
No comando da sessão, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), que também é presidente da Comissão de Educação (CE), defendeu o projeto como uma “importante política pública”.
— A proposta que avaliamos neste momento é abrangente, plural e justa. E é, para além de um aprimoramento legal, uma exortação ao diálogo, à concertação de esforços e à própria forma federativa de organização do Estado — disse.
Autor do projeto, o senador Flávio Arns lembrou a união de esforços de Senado, Câmara e sociedade civil para a promulgação da Emenda Constitucional 108, em 2020, tornando permanente o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Para ele, a mesma união deve ocorrer para aprovar o SNE.
— Essa sintonia está economizando tempo, porque aprova-se com muito mais facilidade. O SNE é muito importante e necessário.
Participaram do debate representantes do governo, de organizações não governamentais e de entidades de professores, estudantes e servidores do ensino. Todos apoiaram a criação do Sistema Nacional de Educação como forma de combater as desigualdades no ensino, agravadas pela pandemia.
Foram feitas diversas sugestões ao relatório, acolhidas por Dário Berger.
— Estamos na terceira versão do nosso relatório, construído após mais de 50 reuniões com as mais diversas entidades, associações e especialistas em educação. Passaremos a uma nova fase, que é a de pautar o projeto no Plenário, cientes de que estaremos dando uma grande contribuição rumo à educação organizada e de qualidade — ressaltou.
Berger e outros debatedores lembraram que as primeiras tentativas de criar um sistema nacional de educação datam de quase um século atrás, com a publicação, em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, assinado por 26 intelectuais, entre eles o educador Anísio Teixeira (1900-71).
Implementação
Um tema recorrente nas intervenções dos convidados foi a necessidade de implementação efetiva de que muitas das leis relativas à educação. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) confessou “certa decepção” com os resultados da lei que criou o PNE em 2014:
— Fiquei dois mandatos na Câmara [participando da elaboração da lei] e o que ficou, como a gente temia, é um plano de meras intenções, porque não foi executado de fato. Não temos uma política de Estado. Com todo o respeito, o ministro [da Educação, Milton Ribeiro] deveria estar aqui.
Segundo o senador Jean-Paul Prates (PT-RN), os constituintes de 1988 queriam uma educação “pública, gratuita, laica, acessível, universalizada e transformadora social”. Ele criticou o governo federal pelas propostas de desvincular a fatia do Orçamento hoje “carimbada” para o ensino.
Desigualdades
As desigualdades nas condições de ensino são um dos problemas que um Sistema Nacional de Educação poderia ajudar a atacar, segundo os debatedores.
Daniel Cara, professor da Universidade de São Paulo (USP) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), lembrou que muitas escolas nem sequer dispõem de água potável. Ele defendeu que toda escola pública tenha piso salarial para os professores, número adequado de alunos, laboratório de ciência, quadra esportiva, internet de banda larga, alimentação nutritiva, transporte escolar digno e saneamento básico.
A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Rozana Barroso, apontou que o número de inscritos no último Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) foi o menor em mais de uma década, e que “tem mais criança e adolescente no sinal vendendo bala do que voltando para a sala de aula”.
— A pandemia deixou escancarada a necessidade de um SNE. A desigualdade no Brasil aumentou muito. A quantidade de jovens abandonando o ensino médio nesse período é enorme, mas não podemos marcá-los como “geração perdida” — afirmou Lucas Fernandes, líder de relações governamentais do Todos pela Educação.
Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Heleno Manoel Gomes Araújo Filho lamentou que o governo venha apresentando uma série de propostas de emenda à Constituição que, segundo ele, “atacam a educação pública”.
O secretário adjunto de Educação Básica do Ministério da Educação, Helber Ricardo Vieira, afirmou que “o ministério tem feito todo o esforço necessário para a coordenação das ações” entre os três entes federativos.
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)