Um em cada quatro brasileiros tem algum tipo de deficiência visual, auditiva, motora ou intelectual no Brasil, segundo o Censo Demográfico de 2010. De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI — Lei 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, a definição de pessoa com deficiência é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que comprometem a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com os demais”.
A definição parece muito clara. Na prática, porém, cada caso é um caso. Para saber quem é deficiente e o quanto a deficiência impede as atividades da vida diária, o Estatuto prevê a regulamentação, pelo Poder Executivo, da avaliação biopsicossocial.
Essa avaliação deve ser feita por equipe multiprofissional e interdisciplinar que estará atenta aos impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; aos fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; e à limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação. Previsto para entrar em vigor em janeiro de 2018, esse conjunto de perguntas ainda não está definido e é alvo de uma disputa que coloca de um lado o Ministério da Economia — pagador dos benefícios às pessoas com deficiência — e as entidades de defesa dos direitos desses beneficiários.
De acordo com o senador Flavio Arns (Rede-PR), o atraso em definir os critérios da avaliação biopsicossocial vem impedindo as pessoas com deficiência de ter acesso a políticas afirmativas, como cotas no serviço público, isenção de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), vagas em estacionamentos e Benefício da Prestação Continuada, entre outras. Arns convocou representantes de órgãos do Executivo e de associações de pessoas com deficiência para que os senadores entendam em que pé anda a regulamentação. A audiência foi nesta quarta-feira (30) na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
No debate, o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), Marco Castilho, defendeu a adoção do Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBr-M) como balizador da avaliação biopsicossocial. O IFBr-M está sendo entregue nesta quarta-feira ao governo federal por pesquisadores vinculados à Universidade de Brasília (UnB) e outras, depois de anos de pesquisa e testes. O índice avalia 57 atividades que incluem o domínio da aprendizagem e aplicação de conhecimento (9 atividades); comunicação (8 atividades); mobilidade (8 atividades); cuidados pessoais (8 atividades); vida doméstica (8 atividades); educação, trabalho e vida econômica (7 atividades); e relações e interações interpessoais, vida comunitária, social, cultural e política (9 atividades).
O representante da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência José Chagas destacou que o governo investiu tempo e dinheiro na pesquisa e na avaliação que foi “longa, árdua e coletiva” para que se chegasse ao melhor modelo possível. Esse modelo, de acordo com Chagas, inclui, além da avaliação médica, o parecer de terapeuta ocupacional, de psicólogo, de fisioterapeuta e de fonoaudiólogo. Para Chagas, o IFBr-M simplifica o processo em que a pessoa com deficiência prova sua condição diante do poder público para ter acesso aos benefícios e, por outro lado, evita o retrabalho dos servidores.
Outro modelo
Tanto Castilho quanto Chagas criticaram a iniciativa da secretaria de perícia médica do Ministério da Economia de estudar um novo modelo, alternativo ao IFBr-M, cuja avaliação biopsicossocial é centrada em apenas um perito médico.
— Não encontramos nesse modelo substituto fundamentação técnica, científica, acadêmica e sequer jurídica — reclamou Castilho. Ele disse que o Conade pediu uma reconsideração da Casa Civil e disse que o modelo apresentado pelo Ministério da Economia é fruto de pressão da categoria dos médicos peritos do INSS.
A subecretaria de perícias médicas do Ministério da Economia, Karina Argolo, rebateu as críticas dizendo que vários órgãos do governo federal se reúnem neste momento em busca de um modelo único de avaliação “justa e correta, para dar o direito para quem realmente o tem”. Ela rechaçou a ideia de que buscar um modelo de avaliação alternativo ao IFBr-M tenha sido encabeçada pelos peritos do INSS.
— Não é porque já existia um instrumento em avaliação [IFBr-M] que não se pode debater outro modelo, e agregar e modificar o que pode ser melhorado. Isso, no momento certo, vai ser levado a consulta pública. O intuito é agregar, não dificultar.
O senador Romário (Podemos-RJ) questionou por que analisar um novo modelo quando outro já estava em ampla discussão tanto na esfera do governo, quanto nas organizações civis e acadêmicas. Arns também não entendeu porque o governo estaria trabalhando em duas frentes diferentes, como se “um ministério estivesse desautorizando outro”.
Exclusão
A procuradora do Ministério do Trabalho Janilda Lima também criticou a iniciativa da Casa Civil e do Ministério da Economia de tratar o tema sem, contudo, convocar o Conade e a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
— Isso viola o lema que dá luz à Convenção da ONU sobre as pessoas com deficiência. Nada sobre nós sem nós [em inglês, o lema é conhecido como nothing about us without us].
Janilda entende que a avaliação biopsicossocial parte de dois pontos distintos que eventualmente se cruzam: a avaliação dos impedimentos causados pela deficiência em si e a relação desses impedimentos com a sociedade.
— O médico está preparado para avaliar o físico, mas ele não está preparado para olhar o social e o psíquico. É preciso equipe multidisciplinar. Por isso, o modelo adotado pela Organização Mundial de Saúde [OMS] faz a interação dos aspectos físicos, sociais e psicológicos.
Demora
O presidente do Comitê de Organizações Representativas da Pessoa com Deficiência, Moisés Bauer, disse não haver razoabilidade em, mais de quatro anos depois de sancionado o Estatuto da Pessoa com Deficiência, ainda não haver a regulamentação do exame biopsicossocial.
— Depois de tanto tempo, querem iniciar um novo debate e um novo processo de validação sendo que essa chance já existiu. Não dá mais para esperar.
A Casa Civil enviou para a audiência a assessora especial Laís Porto, que garantiu que o IFBr-M não será meramente descartado pelo governo federal, tampouco será adotado um modelo sem bases técnicas e científicas.
— As conversas se dão no sentido de ver no que um modelo contribui com o outro na perspectiva de chegarmos ao melhor resultado possível para concretizar com a máxima efetividade os direitos das pessoas com deficiência.
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)